Nesta segunda-feira (4), o Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Pernambuco (Sintepe) divulgou uma carta em defesa de uma escola laica e rebatendo críticas feitas por vereadores e deputados adeptos ao fundamentalismo religioso. O sindicato acusa os políticos de terem distorcido a posição dos professores. O documento é subscrito por 70 entidades estudantis, educacionais, sindicais, sociais e religiosas do estado e do Brasil.
A carta afirma que a laicidade do estado “garante que as instituições públicas não pautem suas atividades sob o prisma da religião” e que “a educação toma contornos fundamentais para a promoção de uma sociedade que compreenda a multiplicidade das formas de expressão religiosa no país, sem privilegiar nenhuma religião ou manifestação de credo no espaço educativo”. O documento ainda menciona as regras definidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, lei federal nº 9.394/1996) e na Base Nacional Comum Curricular (de 2018).
“O ambiente educacional deve proporcionar um espaço de discussão crítica, no qual o conjunto de estudantes seja capaz de compreender e refletir sobre a pluralidade dos temas, inclusive aqueles concernentes à pluralidade religiosa. Esta conduta não deve se confundir, de maneira alguma, com o proselitismo religioso, que restringe o debate a uma doutrina específica, exclui perspectivas dissonantes e, ao invés de promover um espaço acolhedor, gera conflitos e tensões no ambiente escolar”, diz a Carta em Defesa da Escola Laica e Contra a Discriminação de Credo e Religião.
A entidade está em pé de guerra com líderes políticos evangélicos de Pernambuco desde o fim de setembro, quando o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) promoveu reunião online com membros do Sintepe e da Secretaria Estadual de Educação (SEE) para debater sobre o ensino religioso nas escolas da rede pública estadual. Na ocasião, integrantes do Sintepe chamaram atenção para o uso de espaços públicos escolares para a realização de “intervalos bíblicos” e também de cultos evangélicos.
O encontro repercutiu entre políticos evangélicos. Eles acusam o Sintepe de estar atacando a liberdade religiosa, o estado laico e o direito dos estudantes à reunião, o que é rebatido pela carta. A carta do Sintepe não recua de sua posição. “Assim como a escola pública não pode favorecer partidos políticos nem campanhas eleitorais, não pode favorecer e abrigar nenhum templo religioso”, ratifica.
A nota ainda fustiga tais parlamentares, que no estado têm histórico de invadir escolas durante o horário de aula para constranger professores e gestores. Também é frequente a divulgação, por estes políticos, de vídeos expondo adolescentes dançando nas escolas, conteúdo acompanhado de frases moralistas.
“São os parlamentares de ultradireita que difamam as estudantes e os estudantes da rede estadual de Pernambuco, utilizando-se de casos isolados, generalizam e desqualificam a escola pública. A política praticada por estes deputados não soluciona os problemas reais que impossibilitam uma educação de qualidade, como: merenda saudável, climatização, infraestrutura das unidades e valorização das trabalhadoras e dos trabalhadores. Desaprovamos a violenta estigmatização contra a juventude no Estado de Pernambuco”, diz o documento.
O documento é subscrito por entidades representativas de estudantes, como os coletivos Manguezal, Futuro em Ação, Para Todos, o Grêmio Estudantil Geração Consciente, a União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas (Umes), a União dos Estudantes de Pernambuco (UEP), a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes); também é assinado por entidades religiosas e de diálogo inter-religioso, como a Ágora Espírita, a Caminhada dos Terreiros de Pernambuco (CTP), o Fórum de DIálogos da Diversidade Religiosa e o Fórum Interreligioso de Pernambuco, a Pastoral da Diocese de Floresta, e figuras como o padre Marcelo Barros e o pastor Josias Vieira Kaeté.
A lista segue com apoio de coordenações de cursos da Universidade Católica (Unicap), o apoio institucional da UniFafire, sindicatos de professores de diversos municípios pernambucanos e entidades de defesa da educação, fóruns e organizações e movimentos da sociedade civil, como o Movimento dos Trabalhadores CRistãos (MTC) e o Movimento dos Sem Terra (MST), além de organizações de defesa principalmente de mulheres e pessoas LGBTs, a exemplo da Uiala Mukaji. Ainda assinam lideranças políticas como a vereadora do Recife Liana Cirne (PT), o deputado estadual João Paulo (PT) e as deputadas Dani Portela (Psol) e Rosa Amorim (PT).
Leia abaixo a íntegra do documento.
Carta em defesa da escola laica e contra a discriminação de credo e religião
A Constituição Federal prevê a laicidade do Estado Brasileiro. Isso garante que as instituições públicas não devem pautar suas atividades sob o prisma da religião, muito menos atuar com o intuito de privilegiar determinado credo. A Carta Fundamental do nosso país busca possibilitar a diversidade de crenças, promovendo um ambiente plural e inclusivo para o povo brasileiro.
Em um país com um dos maiores quantitativos populacionais do mundo e formado a partir da influência de povos tão diversos, a laicidade do Estado é, antes de tudo, uma garantia democrática. Nesse contexto, a educação toma contornos fundamentais para a promoção de uma sociedade que compreenda a multiplicidade das formas de expressão religiosa no país, sem privilegiar nenhuma religião ou manifestação de credo no espaço educativo.
Um ambiente educacional democrático deve ser promotor da diversidade cultural, ideológica, artística, religiosa, a partir dos parâmetros contidos na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação, 9394/1996), na BNCC (Base Nacional Curricular Comum, 2018) e no currículo que rege a educação estadual.
No estado democrático de direito, a administração pública deve ser regida pelos princípios legais e constitucionais da legalidade, impessoalidade, entre outros. Assim como a escola pública não pode favorecer partidos políticos nem campanhas eleitorais, não pode favorecer e abrigar nenhum templo religioso.
O ambiente educacional deve proporcionar um espaço de discussão crítica, no qual o conjunto de estudantes seja capaz de compreender e refletir sobre a pluralidade dos temas, inclusive aqueles concernentes à pluralidade religiosa. Esta conduta não deve se confundir, de maneira alguma, com proselitismo religioso, que restringe o debate a uma doutrina específica, exclui perspectivas dissonantes e, ao invés de promover um espaço acolhedor, gera conflitos e tensões no ambiente escolar.
É por acreditarmos em uma educação crítica, inclusiva, fundada na garantia de um Estado Laico, que nos solidarizamos ao SINTEPE (Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras em Educação de Pernambuco) e repudiamos os ataques de uma parcela conservadora do Legislativo deste estado, que, numa tentativa de ofuscar o debate sobre o que está garantido pela Constituição Federal do Brasil, cria uma tensão que busca impor a perspectiva de uma religião e nega o direito individual de crenças e religiosidade.
Por fim, ressaltamos que são os parlamentares de ultradireita que difamam as estudantes e os estudantes da Rede Estadual de Pernambuco, utilizando-se de casos isolados, generalizam e desqualificam a escola pública. A política praticada por estes deputados não soluciona os problemas reais que impossibilitam uma educação de qualidade como: merenda saudável, climatização, infraestrutura das unidades e valorização das trabalhadoras e dos trabalhadores. Desaprovamos a violenta estigmatização contra a juventude no Estado de Pernambuco.
Continuaremos vigilantes e combativos na luta por uma educação de qualidade socialmente referenciada para todas as pessoas!
Fonte: BdF Pernambuco | Edição: Vinícius Sobreira